quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Cap 3 - Rebeca Dias

Rebeca Dias, até a noite anterior, era a atriz da moda. Protagonizava a novela das sete, fazia participações no cinema e alguns boatos a apontavam até como a possível Bond Girl do próximo filme do espião britânico. Seu currículo de relacionamentos era longo. Passaram por sua cama alguns atores, dois diretores e um músico.

Era famosa a sua rivalidade com Martha Reis, com quem disputava a maioria dos papéis, mas um mito que corria entre as coxias e bastidores dizia que elas eram amigas e que se falavam todas as noites. Inimigo, ela só tinha um: Pablo Falcão, com quem foi casada. Ela chegou a engravidar dele, mas sofreu um aborto espontâneo. Depois do incidente, ele a pegou na cama com um colega de cena. Detalhe: os três interpretavam um triângulo amoroso em uma minissérie. A vida imitou a arte.

Rebeca começou a trabalhar em comerciais, mas foi o papel em um filme que chamou a atenção do país. Ela interpretava uma órfã de 12 anos que se apaixonava pelo tutor, um tio de 40 anos. Foi um escândalo e o filme nem deu muita bilheteria. Mas dali em diante ela não parou mais de trabalhar.

Por conta do papel sensual no filme, desde que completara 18 anos, Rebeca Dias recebera diversas propostas para posar nua. Como a maioria dos papéis que ela interpretava lhe exigiam o corpo em forma e a insinuação, ela decidira não posar, para não ficar estigmatizada. Apenas alguns anos antes, quando interpretou um homem em uma peça de teatro e ganhou o maior prêmio da categoria, foi que ela se desvencilhou da imagem de lolita e aceitou a proposta da revista. Seu exemplar foi o mais vendido.

O ponto alto da carreira dela estava ainda em curso. O papel de protagonista na novela das sete inaugurava um novo gênero na teledramaturgia. Ela não era sensual, não se fazia de vítima, não era cobiçada por muitos. Era apenas uma mulher em meio a um turbilhão.

Cap 2 - Pauta

No meio da reunião de pauta, Bia entrou na sala. Obviamente, tinha subido correndo para a redação do Primeira Página. Não estava na reunião, porque havia pedido para que Lincoln aliviasse sua agenda, por conta do aniversário de namoro. A morte da atriz havia mudado seus planos. Assim que ela chegou, o diretor de redação dispensou os outros jornalistas.
- Bom, eles dizem que foi morte natural — disse a repórter.
- Não existe morte natural em uma atriz de trinta e poucos anos. Se foi assassinato, é o melhor matador de todos os tempos, porque não deixou nenhuma pista. Se não, vamos fazer uma matéria meia boca sobre o risco de infarto fulminante em uma pessoa perfeitamente saudável — ordenou Lincoln.
- Se a polícia não acredita em assassinato ou suicídio, como eu vou fazer a matéria?
- Fale com os amigos e inimigos dessa moça. Se tudo der errado, pelo menos vamos fazer um obituário bonito — retrucou o diretor.

Bia foi para sua mesa e procurou no computador o arquivo com os nomes dos ex-funcionários do jornal. Lá, achou o contato de uma velha estagiária.
- Juliana Hosenfeld, por favor?

Juliana for a estagiária do Primeira Página, mas Lincoln foi obrigado a mandá-la embora após ela colocar a própria vida e a de um colega — Pacheco Filho, agora seu namorado — em risco mortal. A estagiária trabalhava atualmente em uma dessas revistas que promove a imagem de atores, modelos e participantes de realities shows.
- Alô?
- Ju, aqui é a Bia. Você sabe que eu não assisto televisão e não entendo nada de gente famosa, não é?
- Sei — respondeu intrigada a estagiária.
- Pois eu estou precisando de uma lista. Sabe esta menina Rebeca Dias que morreu? Eu queria saber quem eram as pessoas próximas a ela e de quem ela não gostava.
- Por quê? Vocês acham que foi crime?
- Não — desconversou Bia. — É que vamos fazer uma matéria sobre ela. Uma homenagem.
- Mas você cobre Rio…
- Eu sei. Mas eu pedi transferência para Cultura esta semana para ficar mais tempo com o meu namorado.

Contada a mentira, Juliana prometeu enviar para a repórter a lista requisitada.

domingo, 12 de outubro de 2008

Cap 1 - Um novo dia

Era meio dia quando Carlos Santa Cecília acordou, como de costume. Quando era colunista, se dava ao luxo de acordar tarde, pois alegava que ele precisava deixar as coisas acontecerem de manhã para preparar suas notas à tarde. Agora que voltou a ser repórter, manteve os mesmos horários.

Carlos levantou-se, escovou os dentes e tomou meia caixa de suco de laranja. De volta ao banheiro, foi fazer a barba. Tradicionalmente, espalhava a espuma pelo rosto, mas nunca sobre o bigode. Santa Cecília já usava bigode há trinta anos, mesmo que todos lhe dissessem estar for a de moda. A decisão de deixar crescer fora motivada pela admiração pelo pai. O velho Santa Cecília tinha um largo sorriso, que era ressaltado pelo bigode. Carlos cresceu com a impressão de que não havia sorriso maior que o de seu pai, mas ao se olhar no espelho, reparou que não sorria. O jornalista não pensou duas vezes: passou a espuma, deixou a lâmina deslizar e despediu-se do bigode.

Santa Cecília vestiu a mesma camisa do dia anterior, uma calça surrada, penteou os cabelos e foi para o Primeira Página. Desde a prisão de Armando Paglia, o repórter se dedicava a investigar o desaparecimento de Sweet Monique, amiga de Sabrina Morena, a quem Carlos se referia como “minha namorada das quartas-feiras”. Durante estas semanas, pouco evoluiu, mas o jornalista sabia que este era o dia de o jogo virar. A partir de hoje ele dedicaria todo o seu tempo a descobrir que fim levara Monique.

Prólogo

Bia Lacerda estava sentada no restaurante próximo ao Primeira Página. Almoçava com o namorado e aproveitava para ler o jornal concorrente. Acordara muito cedo e ainda não tinha comido nada. O namorado, alguém sem o espírito de curiosidade de um jornalista e que se queixava muito dos horários de Bia, apenas almoçava.
- Beatriz — disse o rapaz. Ele a chamava Beatriz. — Não esqueça que hoje é o nosso terceiro aniversário de namoro. Nós combinamos de comemorar hoje à noite.
- Eu sei, querido — respondeu automaticamente.
- É que eu acho que nós estamos nos distanciando nas últimas semanas, desde que você começou a trabalhar com este tal de Santa Cecília.
- Eu gosto de trabalhar com ele tanto quanto você gosta de eu ser jornalista — interrompeu Bia.
- Beatriz, talvez esta seja a hora de a gente pensar em uma nova maneira de fazer as coisas. Talvez devamos morar juntos, ou pensar em ter filhos... A verdade é que…

A repórter deixou-se perder da fala do namorado. Uma televisão ligada do outro lado do salão lhe pareceu muito mais interessante naquele momento. Era um destes programas “mundo cão”, que explora a violência e a miséria. Instintivamente, ela levantou.
- Aonde você vai, Beatriz?, indagava confuso o namorado.

Bia foi até o balcão do bar, onde sentou-se para ouvir o que o jornalista dizia. “A atriz Rebeca Dias foi encontrada morta em seu apartamento, na Barra da Tijuca. Por volta de oito da manhã, a empregada chegou à residência e encontrou Rebeca caída no chão da sala. De acordo com a polícia, a atriz não apresentava marcas de agressão e os peritos descartaram a possibilidade de overdose. A porta não tinha sinais de arrombamento e os vizinhos não ouviram qualquer discussão na noite passada. Para especialistas, a hipótese mais provável é morte por causas naturais.”

A repórter saiu correndo do restaurante, com seu namorado logo atrás.
- Aonde você vai?
- Eu preciso trabalhar.
- E o nosso aniversário, Beatriz?
- Acho que vamos ter que desmarcar. Fica para o ano que vem.

Bia correu para dentro da sede do jornal. No elevador, seu celular tocou.
- Oi, Lincoln. É, eu vi. Já estou chegando.